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2009/04/12

LARGO do GATO PRETO e Eça de Queirós em Leiria



Largo do Gato Preto - Leiria
e
Caffé Gato Preto

A fachada da pensão/actual Café Restaurante "Gato Preto"

Largo do Gato Preto: Uma Lenda ?!

Este é o nome popular por que é conhecido o Largo Paio Guterres, em Leiria.

A primeira designação que se lhe conhece é Rua dos Banhos, que já vem na planta da cidade do séc, XV, a mais antiga que se conhece. No séc. XIX passou sucessivamente a ser conhecido por Largo Paio Guterres (18-12-1877) e Largo de S.João (30-04-1885), a pedido dos moradores daquele local. Ainda hoje existe uma imagem de S. João num nicho colocado e preservado religiosamente na parede da casa comercial que faz esquina com o Largo das Forças Armadas.

A Câmara Municipal, em 29-12-1921 alterou-lhe novamente o topónimo para Largo Paio Guterres, que foi o primeiro Alcaide de Leiria, ainda no reinado de D. Afonso Henriques. E assim se tem mantido este topónimo até aos dias de hoje. Oficialmente. Continuamos, instintivamente, a denominá-lo, no nosso dia a dia, como o “Largo do Gato Preto”.

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Qual, então o motivo porque este Largo continua a ser conhecido por “Largo do Gato Preto”?

Neste Largo existe uma referência incontornável e extremamente usada como símbolo identificativo do local, que é um painel de azulejos com um gato preto na parede do prédio onde está instalado desde há muitas décadas, um estabelecimento ligado à restauração, tendo sido pensão e residencial afamada durante muito tempo. Há cerca de seis anos, aquando das obras de renovação das infra-estruturas de saneamento e do pavimento, ficaram representados no pavimento, em pedra de cantaria, vários gatos, ao longo da casa do “gato preto”, o que vem reforçar a tese da preservação do simbolismo do gato naquele Largo.

É caso para perguntar:

Porque razão é que a Câmara Municipal de Leiria não repõe a toponímia daquele Largo para “Largo do Gato Preto” já que essa é que é a verdadeira tradição da cidade? Fale-se do Largo Paio Guterres e ninguém conhece; refira-se o “Largo do Gato Preto” e toda a gente sabe onde se localiza.


Recentemente, um casal de jovens, com ligações familiares íntimas aos primitivos utilizadores daquela pensão, empreendeu uma bela e romântica aventura empresarial, instalando neste estabelecimento o “Caffé Gato Preto” que, paulatinamente, se está a impor no tecido empresarial do Centro Histórico. Estes jovens estão decididos a lançarem-se numa iniciativa, que se antevê bastante laboriosa mas profícua, usando a história e a tradição poética da cidade. Àquela zona específica estão fisicamente ligados poetas célebres, como Francisco Rodrigues Lobo, Afonso Lopes Vieira, Acácio de Paiva, José Marques da Cruz. O próprio Eça de Queirós inspirou-se na vida da cidade de Leiria de fins do séc. XIX para escrever o seu mais conhecido trabalho literário e um dos mais divulgados pelo Mundo fora: “O Crime do Padre Amaro”. Todo o enredo deste celebérrimo romance ronda as imediações daquele Largo ou não tenhamos nós que referir, nessa circunstância, a Rua da Tipografia, a pensão da Isabel Jordão, a Igreja da Misericórdia, a Rua Direita, o Largo da Sé, a “Pharmácia Paiva”, a Praça Rodrigues Lobo, a Rua Almeida Garret, etc.


Aqui chegados, talvez tenhamos alcançado a possível, diria mesmo, mais que provável, razão para que este Largo se tenha mantido vulgarmente a ser conhecido por “Largo do Gato Preto”.


José Marques da Cruz, Nasceu em Famalicão – Cortes - Leiria em 1888 e formou-se em Direito, em Coimbra, onde ainda escreveu três obras. Em 1912 emigrou para o Brasil e por lá ficou definitivamente, continuando a escrever, sobretudo poesia, mas dedicando-se essencialmente ao ensino em vários colégios e na Universidade de São Paulo. Ele próprio fundador de alguns colégios, foi também director da revista "Castália" e colaborador na revista "Filologia Portuguesa". O soneto "Lenda do Lis e Lena" é o seu trabalho mais famoso. Morreu em 1958.

(Síntese biográfica adaptada de http://jornaldascortes.no.sapo.pt/ilustres.htm)


Marques da Cruz, escreveu o livro “Eça de Queirós - a sua Psique”, ed. Melhoramentos, esgotada, mas que se pode consultar no Arquivo Distrital de Leiria. Neste trabalho, Marques da Cruz entrega-se a uma refinada análise da personalidade do grande Eça, acompanhando-o no seu percurso pelas várias localidades que percorreu, em viagem ou estadias nas suas lides profissionais e/ou trabalhos literários. Dedica um capítulo à conhecida permanência de Eça na cidade de Leiria, em 1870. De facto, como Eça de Queirós queria ser cônsul e, como nesse tempo, essas funções só podiam ser exercidas por quem já tivesse sido funcionário público há, pelo menos, seis meses, este conseguiu ser nomeado, em 21 de Julho de 1870, administrador do Concelho de Leiria.

Eça nunca morreu de amores por Leiria, bem pelo contrário, aproveitava todas as oportunidades para se referir a esta cidade, de cinco mil almas, com sarcasmo e ironia.

Valia-lhe, na oportunidade, ter vários amigos em Lisboa, cultos, alguns escritores que fizeram Escola, nomeadamente Ramalho Ortigão, com quem se escrevia regularmente e se encontrava com bastante frequência, muito particularmente porque os dois fizeram uma parceria para escrever “O Mistério da Estrada de Sintra” e as “Farpas”. Numa dessas cartas a Ramalho Ortigão falava “do seu exílio administrativo” e dizia: “ Eu morava numa rua estreita. De um lado, tinha as velhas paredes da Misericórdia, onde as corujas piavam; do outro, as torres da Sé, onde os sinos faziam rolar pelo ar os seus prantos sonoros”.

Eça foi sempre supersticioso. Diziam sempre os velhos leirienses, que, se Eça visse na rua um gato preto, voltava logo para trás, procurando ir por outra rua” – escreve Marques da Cruz.

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Pelas referências deixadas pelo próprio Eça, essas ruas por onde, ao passar, estava sempre a olhar pelo canto do olho à busca de algum gato preto eram as que iam desembocar ao actual Largo do Gato Preto, nomeadamente a Rua Almeida Garrett, a Rua Direita, que seria a mais directa para percorrer o caminho da casa onde estava hospedado na Rua da Tipografia e o seu escritório de Administrador do Concelho, no Largo da Sé, no primeiro andar da esquina com a Rua da Vitória e outras que tais. Todas, ruas estreitas e de temer, principalmente à noite, para quem, como ele, era extremamente supersticioso.

Não me foi possível comprovar em absoluto que a fachada que contém o painel de azulejos com o “gato preto” estará na origem do nome do Largo onde se encontra. Ou será que o Largo já era conhecido com a actual designação antes da construção do painel? Pode afiançar-se serem estes episódios em que intervém Eça o efectivo motivo desta designação do Largo do Gato Preto?

Por mim acharia muito interessante que esta teoria pudesse ter vencimento!...


nota: vivo desde 1966 em Leiria. Tenho intentado em variadíssimas oportunidades certificar-me da origem concreta do nome por que o Povo se habituou a designar este Largo independentemente das deliberações e contra-deliberações da Câmara; Largo do Gato Preto.
Foi assim que decidi publicar este ensaio acerca da justificação do nome do Largo do Gato Preto, em Leiria.
Quem terá informações para me contraditar?

Contacto: nunes.geral@gmail.com

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