Mostrar mensagens com a etiqueta poesia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta poesia. Mostrar todas as mensagens

2013/12/04

Grupo de poesia e cultura da Biblioteca Municipal de Alcanena: Alfredo Keil

O Dr. Ócar Martins a coordenar mais uma sessão literária do grupo de poetas populares de Alcanena.
O autor a tratar no decorrer desta sessão era o compositor e poeta Alfredo Keil.
O livro de sua autoria, que serviu de base aos trabalhos, intitula-se "Tojos e Rosmaninhos", com uma 1ª edição em 1907. A Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere promoveu a sua reedição em 1990, cuja capa (uma cópia do original) se mostra a seguir. Quem tinha de sua posse este livro, muito raro, era o nosso amigo e companheiro, Vitor.

Conforme já tive ocasião de deixar nota, no "Facebook

Neste livro de 1907 (1ª edição), Alfredo Keil mostra-nos a sua verve poética, pintor romântico e naturalista e compositor musical. De notar que a "A Portuguesa" foi composta em 1891 como manifestação da ira nacional ao Ultimato Inglês. E por aqui nos ficámos. Propúnhamo-nos marchar contra os Bretões ... os canhões vieram nos anos 50! Mas que temos um hino empolgante lá isso é verdade!

Alfredo Keil compôs a música de "A Portuguesa" mas não o poema. 

 O snr. Manuel, com a proveta idade de quase/quase 100 anos, que os fará precisamente no dia do 100º aniversário do concelho de Alcanena. Ao seu lado o snr. Gouveia, grande poeta, com obra publicada, experiência de vida pelas sete partidas do mundo, há cerca de ano e meio incapacitado para falar e escrever inteligivelmente. Também se pode vislumbrar a silhueta de Maria João.
Os snrs. Manuel e Gouveia. O snr. Manuel, muito duro de ouvido, devido à sua avançada idade, a ler um poema de Alfredo Keil.

O livro de poemas de Rúben Marques, 17 anos, recentemente lançado.

 Rúben Marques, o elemento mais novo, presente.
O snr. Alfredo (outro que não Keil, claro...) e o Rúben.

2013/10/25

Sebastião da Gama: VERSOS AO MAR



VERSOS AO MAR

Ai!,
o berço da tua voz,
e esse jeito de mão que tens nas ondas,
Mar!

Quando eu cair exausto
sobre as conchas da praia e fique ali
doente e sem ninguém,
hás-de ser tu quem me trate,
quero que sejas tu a minha Mãe.

Há-de embalar-me a tua voz de berço,
pra que a febre me deixe sossegar,
e hás-de passar, ó Mar!
pelo meu corpo em chaga,
as tuas mãos piedosas comovidas,
pra que sintas por mim as minhas dores
e eu sinta só o bálsamo nas feridas.

Como se fosses tu a minha Mãe…
Como se fosses tu a minha Noiva…

E hás-de contar-me histórias velhas
de Marinheiros…
Histórias de Sereias e de Luas
que se perderam por ti…
E se a Morte vier há-de quedar,
toda encantada, a ouvir-te,
e, sem ânimo já me há-de quedar,
Toda encantada, a ouvir-te,
E, sem ânimo já de me levar,
sorrindo, voltará por seu caminho
(não na sentimos vir, nem ir, tão de mansinho
se passou tudo, Mar!),
voltará de mansinho,
pé ante pé, pra não nos perturbar,

      mas saudosa da tua voz de berço…

Sebastião da Gama
SERRA-MÃE
Ed. Ática, 1991
p. 34
-
Ler sobre Sebastião da Gama, aqui

@as-nunes

2013/10/16

Poemas de Ricardo Reis e exposição na Barreira

(No próximo Domingo, 20 de Outubro de 2013, no Solar do Visconde da Barreira, será inaugurada uma exposição de Marta Moita, sob o título (ENTRE)LAÇOS LITERÁRIOS)




Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
 (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
 Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
 E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
 E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
 Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
 Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
 Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,


 Pagã triste e com flores no regaço.


Poemas de Ricardo Reis
Mais poemas aqui
Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)
---

RICARDO REIS

“Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (tinha nascido, sem que o soubesse, o Ricardo Reis).”
Diz Fernando Pessoa na carta, de 13 de Janeiro de 1935, a Adolfo Casais Monteiro, que Ricardo Reis nasceu em 1887 (embora não se recorde do dia e mês), no Porto. Descreve-o como sendo um pouco mais baixo, mais forte e seco que Caeiro e usando a cara rapada. Fora educado num colégio de jesuítas, era médico e vivia no Brasil, desde 1919, para onde se tinha expatriado voluntariamente por ser monárquico. Tinha formação latinista e semi-helenista.
Fernando Pessoa atribui a este heterónimo um purismo que considera exagerado e  refere que escreve em nome de Ricardo Reis, “depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode”.

Fonte: Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, de 13 de Janeiro de 1935, inCorrespondência 1923-1935, ed. Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999.

2013/09/27

Desfeita em pó a estátua



A terceira miséria é esta, a de hoje.
A de quem já não ouve nem pergunta.
A de quem não recorda. E, ao contrário
Do orgulhoso Péricles, se torna
Num entre os mais, num entre os que se entregam,
Nos que vão misturar-se como um líquido
Num líquido maior, perdida a forma,
Desfeita em pó a estátua.

Hélia Correia
A Terceira Miséria
Relógio d´Água, 2012
poema 23. (p. 29)
-
Próximo Sábado, na Biblioteca Municipal de Alcanena (15 horas)

@as-nunes

2013/06/23

Falar às aves

Uma singela legenda quero aqui deixar sob esta fotografia de hoje: andorinhas, acabadas de ser lançadas à vida, os progenitores por ali perto esvoaçavam, elas empoleiradas sem qualquer desconfiança no mundo...serenamente, ao longo do fio duma antena (G5RV, um simples dipolo, multi-banda) do sistema irradiante da minha estação de rádio-amador. Com esta antena consigo transmitir para todo o planeta em onda curta (dos 10 aos 80 metros, mesmo em 160 m de comprimento de onda).
Talvez que a paz do piar destas andorinhas se possa propagar por todo o planeta! 
Talvez que chegue ao coração dos homens que julgam que mandam nos outros!
Talvez que o poema abaixo possa ter um título mais suave do que aquele que o seu autor lhe deu:
"Para um epitáfio".

Eu esquecer-me ia do mote original e diria, antes e tão só (mas o poema não foi escrito por mim):

Ele amava as aves,

e com elas se perdia
em longos passeios cor de areia.
Esperava-as de passagem junto às árvores,
ao pé dos rios,
e depois,
como se fosse verdade,
alçava os braços

e voava.

mas eu não sou
Carlos Lopes Pires
Falar às aves
ed. 1993

@as-nunes

2013/06/13

Sto. António era careca...



Olhem só o manjerico
Que aqui vos ofereço eu
Não tem cheiro, é só imagem
O original é meu.

O que vale é a intenção
Disso não vão duvidar
Para mim, dispersamente,
Sei que vos vai encantar.

Que o dia de Santo António
Seja dia folgazão
Que sobre alguma alegria
Pra S. Pedro e S. João. 

Zaida Paiva Nunes

notita:
Faço meus os versos da poeta precedente...

@as-nunes

2013/05/27

retrato à pena de uma mulher sentada


desenho de jorge pinheiro

na minha mesa está pousado este
retrato à pena de uma mulher sentada.
a sua face rural e melancólica
debruça-se equânime como a fitar por dentro

as figuras de sombra no côncavo das vagas,
ou, citereia de trazer por casa,
sabe de mim, medita intimamente
as coisas certas sobre o meu trabalho.

não pergunto do olhar, nem do sorriso, nem da
serenidade. sei que é tudo inferior e devaneia
por artes da memória e de sibila, fixando uma ou outra
passagem dos sonhos e do indizível,

junto à janela quando escuta
as ressonâncias que chegam justamente ao
tampo da mesa e entram ou não entram
inquietas no papel.

Vasco Graça Moura
50 anos de atividade literária
(Não ao NAO, diz
Sim, mas, digo eu...)

@as-nunes

2013/05/13

Nunca é tarde?!...


(na estrada do Barreiro, Pousos, paralela à variante rotunda do hospital/variante para a A1...)

num intervalo do real
antes que o tempo se esvaia
queria mostrar-vos esta flor
tantas cores em sintonia

olhar, olhar uma esteva
toda colorida de  lhaneza
qual esbelta camponesa
sorrindo sem estranheza

tentar dizer da vida
não pode ser esta
cheia de contas
cheia de números
vazia de nada
cheia de incertezas

quero viver
quero sonhar
não quero contar...

nunca é tarde
dir-me-ão
está-se a fazer tarde
digo eu!...

@as-nunes

2013/04/23

Bom dia!...

Hoje, do lado de cá, ao nascer o dia, já a gatinhar bem!...


RAIZ

Por que vivo? Que força, calma, essência
me faz sentir, pensar, me faz querer?
Por que motivo tenho a consciência
dos atos que pratico e do meu ser?

Qonde começa e acaba uma existência?
Por que me sinto e dão esse prazer?
Que vem de ser vontade e inteligência?
Onde existiam antes de eu nascer?

A minha vida.. Que é a minha vida?
Sei que proveio de outra vida igual,
mas esta e a outra quem a gerou também?

E mais, e toda a série indefinida
de que fonte brotaram? Foi do Mal?
Vejo-o mais claramente do que o Bem!

Acácio de Paiva
1863-1944
@as-nunes

2013/04/18

Coração de mulher... em Abril: mais uma "Fita da Semana" de Acácio de Paiva...


À atenção da Marinha Grande:

Eis a forma, como num distante mês de Abril, num dia dos idos anos 30 do século passado, «Fitava» Acácio de Paiva, lídimo poeta Leiriense, como bem deveis saber e conhecer da sua poesia:

Coração de mulher 
(titulo eu, que o autor não se dava a esse trabalho… escrevia em verso uma Fita por Semana e pronto. ..
Fama e proveito pelo que escrevia? Tanto se lhe dava... como se lhe deu!..”.

Aqui nasceu Acácio de Paiva
1863-1944

II
Passo adiante, mas não largo o assunto
Sem lhes dizer que na Marinha o hotel
Se não é dirigido por Vatel
É por Vatel há muito ser defunto.
Só lhes digo que havia entre os manjares
Um doce, julgo eu, de claras de ovo,
Alvo como as toalhas dos altares
E capaz de fazer subir aos ares
    Clero, nobreza e povo!
    Era renda, era espuma,
Uma carícia de anjo, uma esperança,
Uma quimera, um beijo de criança,
    Era um amor, em suma!
E, para mais encanto, a criadinha
Que serviu ao jantar (a mais gentil)
    Das «sopas» da Marinha,
Fresca como um botão no mês de Abril,
Que uma abelha cobiça mas não fere)
Quando, sorrindo, a sobremesa trouxe
    Disse o nome do doce:
    «Coração de mulher»!
Estão a ver como o comi então:
Tomei-o, com respeito, na colher,
Rezei-lhe mentalmente uma oração
E meti-o na boca perturbada
Como quem mete a hóstia consagrada
No dia da primeira comunhão!
Coração de mulher! Ficai sabendo,
Senhoras minhas, quando me enganardes,
Que não castigarei o crime horrendo,
Pois que os enamorados são cobardes,
     Mas que peço à servente
A receita do doce, e ao chá das cinco,
     Voluptuosamente
     O coração vos trinco!

In “Fitas da Semana”,  Diário de Notícias de então…  entre 1934-1938.

---
Em tempo:
Pode apreciar-se um vídeo no facebook em 
https://www.facebook.com/orelhavoadora/timeline/story?ut=96&wstart=0&wend=1383289199&hash=-5968785361241313102&pagefilter=3&ustart=1

@as-nunes

2013/04/16

O que é Poesia?



Há 14 anos que se realizam Serões Literários nas Cortes, agora, na Biblioteca da Casa-Museu João Soares.
Neste último sábado, comparecemos, pela primeira vez, eu e a Zaida. E tivemos a grata surpresa de lá encontrarmos o nosso comum amigo, de longa data, Mário Marques da Cruz. Para além dos outros participantes, que também já nos conhecemos, alguns de outras manifestações associativas e culturais.

O tema proposto era a Poesia.
O que é a poesia?
Para que serve a poesia?
Modos de chegar à poesia, seja como leitor/a, seja como autor/a.
A condição poética (o/a poeta) e a sociedade.

A páginas 11 do último "Jornal das Cortes" pode ler-se esta legenda da foto que ilustra o Serão do mês transato:

"Mais do que destapar o que está oculto sob as silvas e as heras dos muros, a poesia, revela-nos o rosto do amor, da harmonia, da serenidade. Não é um simples desabafo por meio de versos."

O que se deverá entender, então, por Poesia?

A resposta pode ser uma resposta direta? Pacífica?
Certamente que não.

Por isso, o debate, que já foi vivo na última reunião, manteve-se no mesmo nível no Serão do sábado próximo passado.

@as-nunes

2013/04/13

ACÁCIO de PAIVA: Poeta de versos atirados aos ventos...


Estas flores, o lírio azul e a rosa branca, colhi-as eu, hoje, no meu jardim, com a minha máquina fotográfica.

Acácio de Paiva, já o conhecem certamente, nem que seja por o terem lido citado aqui, neste blogue, nasceu em 14 de Abril de 1863. Ainda ontem aqui o referi.
Faz, portanto, amanhã, 150 anos que nasceu, em Leiria, no edifício "Pharmácia Paiva"...

Estive ontem, no Arquivo Distrital de Leiria, a rever documentos, muitos manuscritos, com muita poesia ao seu modo: repentista, lírica, bucólica, quantas vezes irónica e satírica...

Nalguns casos, consegue-se ler, com dificuldade, os seus múltiplos poemas, muitos no estado original e virgem, sem mais revisões, tal como saíram na altura.

Um desses poemas, em excerto, versa assim:

Versos de Tânger

Abril chuvoso em flor...de rosa e branco
Vestem agora todos os pomares.
Selo o cavalo, monto a trote franco
Corro Bubãna, atalhos e aduares.

Lírios azuis - os últimos - a graça,
A glória d´estes campos e planuras
Florescem d´entre a erva verde escassa,
Rosa, que todo o inverno foi securas.
...
Como é saudoso este morrer do dia,
E como é triste a voz do muezim,
Que saudade e que pranto que desfia
Como me atrista e me comove a mim!
(...)

( Escrito em Tânger
Provavelmente quando fez parte duma Legação de Portugal (talvez ligado às Alfândegas, que não consegui clarificar).

Corria a segunda década do século XX...
@as-nunes

2013/04/04

Sei um ninho

Da janela do meu quarto (virada a sudeste...), dei com este ninho, acabadinho de fazer...
Pelo tamanho não deve ser de melro. Será de pintassilgo? ... Ainda há dias andei a colher umas tangerinas e não dei por nada. Talvez que um dia destes possa aqui deixar uma foto com o/os novos amigos que espero vir a conhecer...
Tratar quimicamente esta árvore? Nem pensar! Apesar de estar atacadíssima de piolho!... talvez outras pragas, até... 
O que vale é que os gatos não conseguem lá chegar! Digo eu! ...
-
05-04-2013: 14h00 - acabei de os ver, os meus novos amigos. Confirmo que são pintassilgos. Inconfundíveis. Distraí-me um bocadinho, não estava com a máquina fotográfica à mão...
-


Segredo

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar…

Miguel Torga
1956

@as-nunes

2013/03/31

É dia de Páscoa... e chove e chove e chove...


Do lado de lá, as Cortes...



CHUVA

Chove uma grossa chuva inesperada,
Que a tarde não pediu mas agradece.
Chove na rua, já de si molhada
Duma vida que é chuva e não parece.

Chove, grossa e constante,
Uma paz que há-de ser
Uma gota invisível e distante
Na janela, a escorrer...

Miguel Torga, Diário II, 1943

-

chove muito e há muitos dias
os rios e barragens já estão 
a transbordar
talvez porque nós próprios
já andamos a meter água
há demasiado tempo...

2013/02/22

Árvores em poesia

Indo pela EN 356-2 ... neste mês de Fevereiro ...

POEMA DAS ÁRVORES

As árvores crescem a sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de  noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.

Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.

António Gedeão
Obra Completa
Relógio d´Água Editores, 2004

(Amanhã é dia de encontro de poetas
na biblioteca municipal de Alcanena.
Vai-se dizer o que se entender sobre
Rómulo Carvalho)

nota: EN 356-2; estrada que liga Leiria a Fátima, por Reguengo do Fétal
@as-nunes

2013/01/21

Noite de temporal com luz à moda antiga


Em Leiria, noite caseira, à luz das velas e da lanterna, o temporal à solta ...

ENGRENAGEM

O dia nasce limpo e luminoso
Mas não te iludas, homem!
A natureza já não é contigo.
Daqui a nada toca no quartel,
Apita a fábrica de meias,
Abre a mercearia,
E só então tu poderás saber
Se poderás viver,
E se chove,
E se neva,
E se o adeus da tua Eva
Te comove.


Miguel Torga
Cântico do Homem
Ed. autor - Coimbra, Janeiro de 1974

2013/01/18

Tempos em tons de cinza...



Hoje (já foi ontem), quando seguia para Fátima, ao longo do monte sobranceiro a Reguengo do Fétal, a buscar a Mafalda e o Guilherme, que a mãe tinha "formação" pedagógica até tarde. O Gui tinha treino de futebol e a Mafalda anda engripada...



SÚPLICA

Não adiem a nova primavera.
Olhem que ramos tristes, os meus braços!
Trinta invernos a fio, e só dez anos
De rosas de inocência e de perfume!
Lume!
Lume é que a vida quer nos ímpetos gelados!
Homens a arder de sonho e de alegria,
Em vez de candelabros de agonia,
Apagados.


Miguel Torga
Cântico do Homem
Ed. autor - Coimbra, Janeiro de 1974

2013/01/12

Uma luz no meio do nevoeiro

 do lado de cá do rio lis, do outro lado as Cortes e a sra. do Monte, adivinham-se...

noite de nevoeiro
cerrado
à luz do candeeiro

duas horas da madrugada
veremos como será a alvorada
se a política continua desastrada
anquilosada
estereotipada
gripada

e o Zé que se aguente! ...

@as-nunes

2013/01/10

Deus e (é) a Natureza

Para quem não está a reconhecer... Campos do Lis, vista da A17, quem vai de Sul para Norte. O carro estava a dar sinais de avaria, tive de parar com os quatro piscas ligados...


VIZINHO DE DEUS

Saio de casa para olhar o mundo. Olhá-lo, sem mais. Debaixo
do outono, amealhava pinhões, tecia colares de caruma, cruzava 
um regato, o cheiro da terra molhada. Anotava o geométrico
voo dos estorninhos e pensava crer como um corpo
adolescente.
Face a face com o mundo. Ou quase. Talvez seja isto que
Balthus refere: «pintar o que se tem diante dos olhos é um
modo de se tornar vizinho de Deus».

Mário Rui Oliveira
Ed. Assírio & Alvim – 2002
Prefácio de Eugénio de Andrade
ver tb aqui


* Se Deus não é isto, tal como o poeta proclama, então o que é Deus?

- Também dedico este apontamento ao meu amigo, pintor de excelência (diz que anda a aprender mas acho que não está a convencer ninguém, que já nasceu com o dom para a pintura, Rui Pascoal). Blogger atento e muito perspicaz.

@as-nunes