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2023/04/25

"Falando de Acácio de Paiva" 2013: Transcrição do discurso do autor, no momento da apresentação pública do livro

 https://dispersamente.blogspot.com/2013/09/acacio-de-paiva-lancamento-do-livro.html


 O meu discurso de apresentação do meu livro acima
(ver o link acima com coisas acerca do livro)

Minhas Senhoras

Meus Senhores

 

Que mais poderei acrescentar ao que já aqui foi dito com o maior brilhantismo pelos oradores que me precederam?

Quer o Dr. Orlando Cardoso, quer o Dr. Arménio Vasconcelos, conseguiram, como era expetctável, duma forma clara e precisa, falar sobre  o poeta, jornalista e dramaturgo de mérito reconhecido mas pouco lembrado, que é o ilustre leiriense, Acácio de Paiva.

Como autor do presente trabalho, só me resta agradecer toda a disponibilidade e complacência com que se referiram ao livro “Falando de Acácio de Paiva” como se de uma obra-prima da literatura se tratasse. Bondade a vossa, caros amigos, que para tão altos voos não tenho asas.

Esta minha intervenção visará, muito simplesmente, deixar aqui uns tópicos sobre as razões que me levaram a deitar mãos a este empreendimento.

Ocorre-me começar desta forma:

 «Quanto a glória… tanto se me dá…como se me deu deu!...»

Era assim que chegava a exclamar Acácio de Paiva sempre que os seus amigos o aconselhavam a que publicasse os seus escritos, a sua espontânea, prolífica e dispersa poesia, em particular, lançados aos quatro ventos no efémero dos jornais e revistas.

Na verdade, o único livro que Acácio de Paiva publicou foi, como é sabido, “Fábulas e Historietas”, ilustradas por Vasco Lopes de Mendonça, em 1929.

(sobrinho de Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro)

Poder-se-á, então, perguntar sobre a razão que me levou a mim, a aceitar o desafio de escrever um livro sobre Acácio de Paiva?

Pois bem.

Há muitos anos que, aqui e ali, muito especialmente com o advento da Internet, comecei a escrever notas soltas e transcrições dos seus poemas que, só meia dúzia de pessoas, as que tinham acesso ao livro, edição da Câmara Municipal de Leiria,  1988, Antologia de Poesia de Acácio de Paiva, conheciam da sua existência. Eu próprio só comecei a perceber da real qualidade e emoção da sua poesia por influência da minha mulher Zaida. Foram muitas as vezes em que a ouvi recitar os seus versos, muito especialmente, aquele soneto a Leiria, que começa assim:

 Minha terra velhinha! Assim te quero,

(…)

Em diversas oportunidades, sempre que se falava de Acácio de Paiva e da falta que se sentia de mais informação sobre a sua vida e obra, na ausência de outros voluntários, lá me propunha eu, ciente, no entanto, de que a tarefa de coligir a informação que se sabia existir, mas que estava muito dispersa, requeria o máximo de dedicação e entusiasmo.

Bem posso garantir que o livro que agora é dado à estampa acaba por ser o corolário de imensas tentativas goradas até que, finalmente, no ensejo do 150º Aniversário do Nascimento de Acácio de Paiva, e por insistência da Junta de Freguesia de Leiria, se está a consumar a sua edição.

O real objetivo deste livro é precisamente dar a conhecer ao público em geral que o “Altíssimo Lírico” e o “Maior Humorista dos Poetas portugueses”, Acácio de Paiva, desenvolveu uma atividade literária muito mais abrangente do que a que é comummente divulgada.

Não foi só um poeta, um grande poeta.

Demonstrou, outrossim, ser um grande jornalista, seja como redator, cronista e crítico com colaborações assíduas nos mais conceituados jornais e revistas da época, e numa vastidão de jornais locais espalhados um pouco por todo o país, seja como diretor que foi dos suplementos do Século, o Século Ilustrado e o Século Cómico, initerruptamente durante três décadas, seja também a escrever como tradutor e autor consagrado para o Teatro de Revista, tão em voga à época da sua vida durante os primeiros lustros do século vinte.

 

Nunca será demais relevar que esta publicação só foi possível, graças ao apoio editorial da Junta de Freguesia de Leiria, cujo estímulo da sua Presidente, Laura Esperança, foi determinante para o autor se impor a si próprio como que um dever e uma obrigação moral de coligir toda a informação esparsa sobre a vida e obra de Acácio de Paiva, de modo a que este trabalho pudesse ser tornado público ainda no decorrer deste ano de 2013, precisamente o ano em que se comemoram os 150 anos do seu nascimento.

Convém que conste, muito sinceramente o digo, que os inevitáveis caprichos do Tempo e «de espaço», poderão ter aqui o seu quinhão de responsabilidade por algumas lacunas que possam vir a ser encontradas. De qualquer modo, o autor, assume-se, desde já, em qualquer circunstância, o único responsável pela escolha  do método de abordagem da estrutura do presente livro e do seu conteúdo, por muito incompleto que ele se possa apresentar.

Não me vou alongar em mais considerações já que, na Introdução, escrevo o quanto baste para se entenderem os objetivos que se pretendem alcançar e que, reiteradamente, aqui e agora voltam a ser referidos.

 Uma coisa é certa.

Não se espere que este livro seja um tratado académico de História Literária.

Na sua generalidade, os textos (enquanto reflexos dos pressupostos críticos e biográficos de quem os escreveu) e fragmentos de jornais e revistas aqui coligidos pretendem, muito simplesmente, contribuir para se compreender a «atmosfera» em que decorreu a vida literária de Acácio de Paiva, nas suas múltiplas facetas; como poeta lírico e humorista, jornalista, cronista, crítico literário e dramaturgo.

Se conseguir que Acácio de Paiva passe a ser objeto de mais atenção por parte dos críticos literários encartados e, dessa forma, a sua obra se torne mais acessível ao grande público, leiriense e não só, dar-me-ei por muito feliz e compensado pelo trabalho despendido.

Não posso terminar sem deixar aqui o penhor dos meus agradecimentos a várias pessoas, sem cujo apoio não teria conseguido levar a cabo esta extraordinária missão que foi escrever o livro que agora se apresenta à vossa consideração:

1) à minha mulher, Zaida Manuela, que, sobretudo durante estes últimos nove meses, dias e noites com poucas pausas para descanso, me aturou com toda a paciência deste mundo, sempre “falando de Acácio de Paiva”;

2) à sra. Presidente da Junta de Leiria, Dra. Laura Esperança, pela sua persistência e espírito de missão que demonstrou ao conseguir motivar-me para este trabalho;

3) à hemeroteca digital da Câmara Municipal de Lisboa;

4) aos serviços da Biblioteca Afonso Lopes Vieira, em Leiria;

5) aos Arquivos Distritais de Leiria e do Porto;

6) aos meus amigos, que tão bem deram voz a alguns poemas de Acácio de Paiva: a Isabel Soares; o José Vaz; o Paulo Costa;

7) à minha neta Mafalda que compôs a capa/contracapa deste trabalho;

8) aos meus amigos da tertúlia de poetas da Biblioteca Municipal de Alcanena e dos Serões Literários das Cortes;

9) aos meus amigos da blogosfera, particularmente, do blogue “ColipoLeiria”, de Ofélia Pereira, pela qualidade e oportunidade de   variadíssimas informações que tem vindo a coligir e a partilhar na internet;

10) ao Luis Camilo Alves, bisneto de Acácio de Paiva, pelas informações importantíssimas que me proporcionou e pela sua disponibilidade em colaborar comigo no decorrer deste trabalho;

11) e, claro, à boa compreensão das netas de Acácio de Paiva, que muito me ajudou a conseguir o equilíbrio do texto concernente a alguns dados mais intimamente familiares, que doutro modo, poderiam resultar em eventuais imprecisões que, como é de esperar, num trabalho deste género, serão de evitar a todo o transe. Bem bastam as gralhas que, inadvertidamente, conseguem, ainda assim, escapar à malha densa que terão de ultrapassar…

É com enorme comoção que consagro as páginas deste livro à memória de Acácio Sampaio de Teles e Paiva (Leiria, 1863 – Olival, 1944).

Para terminar - muito agradecendo o favor da vossa paciência e atenção - gostaria de o fazer dizendo um soneto que Acácio de Paiva dedicou, enternecidamente, à sua neta Constança… aqui presente e que, desta forma, também saúdo…

 

Leiria, 6 de Setembro de 2013

António Almeida Santos Nunes

 

 

A MINHA NETA

Tens um mês de nascida – e eu tantos, tantos

Que nem posso contar! Endoidecia!

Quantos mais te verei, minha Maria

Constança, filha do meu filho? Quantos?

 

Chegarás tu a conhecer-me um dia?

Terás paciência para ler os cantos

(Teu pai que os mostre aos teus olhitos santos…)

Onde eu tentava uns longes de poesia?

 

No berço ainda, não me compreendes…

Viverei até ver-te mulherzinha?

Até que fales? Brinques? Deus o sabe!

 

Com teus dedos, no entanto, já me prendes

E na palma, que é nada ao pé da minha

Meu coração já largamente cabe!

 

Acácio de Paiva

 

p. 133 “Acácio de Paiva – Poemas”, ed. CML 1988

2022/09/13

No lançamento do livro de poesia de Carlos Lopes Pires: as rosas impossíveis

(Foto publicada no meu FB e como capa do FB de Carlos L Pires)




Carlos Lopes Pires
(ver abaixo o texto da sua explicação dos temas envolventes à sua poesia)


Manuel Frias Martins
(primeiro plano, à esquerda, com bigode)


Isabel Soares
Davis Teles Ferreira ...


...
Fúlvio Capurso
(último à direita)


Vive-Presidente da Câmara Municipal de Leiria
Anabela Graça


Lídia Bacelar 
Gracinda Roxo


Graça Sampaio


Carlos Ramos


 Maria João Cantinho
(apresentou brilhantemente o livro)

---

(a oração de sapiência (ainda que o próprio autor discorde desta avaliação) de Carlos Lopes Pires no decurso da sessão de apresentação do seu livro de poesia "as rosas impossíveis", no Moinho do Papel - Leiria, em 10 de Setembro de 2022)
--

O toque de Deus e seus prodígios

                                                                          Carlos Lopes Pires

 

A Poesia é uma coisa demasiado importante para se confundir com literatura

                       Zetho Cunha Gonçalves                

 

 A arte de Fúlvio Capurso tem o toque de Deus. Uma arte de simplicidade. Como se o espírito de uma criança ali pairasse. No livro “a minha poesia é uma ignorância” chamei a pessoas assim “crianças da chuva”. Trate-se de ilustrações ou de esculturas, sobretudo, as que chamaria eco-esculturas, constatamos esse efeito, que designo de multiplicação. Uma arte de simplicidade, ingenuidade, elevação. Uma arte que não precisa de palavras, explicações ou definições: têm o toque de Deus, e quem está disponível poderá senti-lo. Não precisa de palavras, dizia eu. E diria mais: têm o efeito de provocar mudez, pois estabelecem-se através de um sentimento que trava as palavras e nos deixa com as palavras que nos faltam. Porque dizer que um poema é feito com palavras é idêntico a dizer que um desenho ou ilustração de Fúlvio foram feitos com lápis ou canetas, ou qualquer outro instrumento de pintar ou desenhar. O toque de Deus preside às suas criações.

 Digo que um poema é, antes de tudo, uma experiência espiritual. Fora disto estaremos sempre a falar de poesia de entretenimento, de fingimento, a que também tenho chamado poesia com literatura. E quando falo em “o toque de Deus”, pretendo significar o prodígio de alguém ter essa experiência espiritual. E tal experiência pode realizar-se de vários modos, nomeadamente no que se tem chamado arte, incluindo a própria experiência da arte. Na verdade, talvez o que costuma designar-se poeticidade se refira a isso mesmo. Pois eu chamo-lhe o toque de Deus, a experiência espiritual, a multiplicação de si por todos e tudo. Que é uma elevação e expansão, que não deixa de ser, igualmente, um alargamento interior. A verdade de um poema está no sentimento de multiplicação que ele provoca ou evoca. Mas tal sucede porque ele é, desde logo e acima de tudo, essa multiplicação.

 Repito que um poema é uma experiência espiritual. Não sei se foi sempre assim. Creio que não, embora sempre tenha havido poetas caminhando nesta direcção. Estou convencido de que os poemas serão cada vez mais uma experiência espiritual, e que é nesse sentido que o “ser humano”, isto é, aquele que ainda não é, se orientará cada vez mais. E é por isso que vou dizer uma outra coisa, talvez chocante para alguém: para um poeta a erudição, em si, é uma limitação. Um poeta não precisa de coisas eruditas. Do que precisa é do que a elas presidiu. O importante não é a sua representação no mundo das aparências, mas o que lhe deu origem. A erudição, em si, é uma repetição. Ora, o que lhe deu origem já está nos poemas, pois nenhum poeta escreve a partir de nada, mas sim a partir de todos os nomes do mundo, que é uma outra maneira de nomear a abundância. Muitos são os que evocam uma e outra vez imagens, nomes, ideias que assinalam a sua erudição. Não entendo: para que importa a um poeta os clássicos, ou os modernos, se não estiverem já nos seus poemas, nas suas palavras? Um poema, cada poema, transporta a humanidade inteira e a possibilidade desta se tornar uma verdade. E se já o faz no coração dos poemas, para que há de repetir-se numa parte de fora? Se não o faz no coração, nenhuma evocação erudita o salvará da repetição vazia.

Do mesmo modo, um pássaro não voa para que lhe chamem pássaro, nem voa para que outros o vejam voar. Voa porque sim. Assim é que um poema não é feito de imagens mais ou menos fortes, ou do que seja. Um poema, já o disse, está nas palavras que faltam. E as palavras que faltam são uma desmedida da ausência, da abundância. Permitam-me ser claro: vários são os nomes pelos quais se pode nomear a espiritualidade. Há quem diga que os poemas dizem o indizível. Dizer isto é meio caminho. O poema traz o toque de Deus, a multiplicação existencial. Quer dizer, o espírito do mundo. Indizível porque não vemos, não tocamos. Somos existencialmente cegos. E isso é o que está nas palavras que faltam.

E cada poema revela o vulto do meu próximo, o rosto daquele que caminha na minha vida, ainda que possa ser ausente, estrangeiro ou em falta. Portanto, um poema tem ética e desenha um desígnio, uma direcção. Os poemas podem salvar-nos da indiferença, embora um poema não seja uma encomenda de prestígio. Um poema é um prodígio, um afastamento, uma divergência. Não, um poema não é feito com palavras, nem é feito com silêncio. Não, não é. Um poema é constituído por palavras ausentes, as palavras que faltam. Por isso um poema é igualmente uma falta. Ou melhor, um poema revela a ausência daquele que anda lá fora na noite escura e chove. E eis o prodígio: esta ausência revela a presença daquele que é em nós desde sempre.

E se digo que um poema é, antes de tudo, uma experiência espiritual, é porque me atrevo a dizer que é aí que está a sua origem, o seu princípio. E se me atrevo a afirmar que um poema não é escrito com palavras, é porque pretendo diferenciar a palavra poética da palavra comum. Embora todas as palavras tenham origem nessa noite, nessa realidade que nos escapa, as palavras comuns são elaboradas na realidade ou mundo das aparências. E desejo esclarecer que o que digo não significa que os poemas não são palavras, pois eu não creio em coisas como “poesia visual” (entre outras). Na verdade, eu penso que um poema é sempre feito com palavras, só que as palavras que lá estão falam-nos das palavras que faltam, essas que nos trazem a experiência espiritual. Num comentário, que considero muito feliz, Luís Vieira da Mota escreveu, no facebook, mais ou menos, o seguinte: a profundidade dos poemas não está nas suas palavras, mas nos intervalos entre as palavras. Tão belo comentário só pode vir de alguém que compreendeu ser a poesia outra coisa.

E o que os poemas dizem é o que vem através dessa experiência espiritual. Mas os poemas são, também, essa experiência, que é igualmente de infinito, de ausência, de abundância. Se as palavras podem ser usadas para comunicar, numa dada comunidade, é porque têm uma dimensão de intersubjectividade, embora não possam, nunca, deixar de ser relativas a uma determinada experiência de existir, que é sempre única e peculiar em cada um. Existir é uma experiência incomunicável. Além do mais, existir implica ser mais-que-uma-coisa. Existir é, em si, já uma transcendência.

 Sim, é verdade que digo que os meus poemas não são literatura. E que me intitulo poeta da ignorância, poeta de província e até poeta clandestino. Coisas que não são exactamente o mesmo. Contudo, todos estes nomes enraízam o substantivo de afirmar que escrevo poemas sem literatura. É que, querida amiga Graça Sampaio, fujo dessa gente como o diabo da cruz. Não é o seu caso, mas há quem se zangue por eu não gostar de literatura. No entanto, eu também não gosto de guerras nem de desculpas para os que lucram com a miséria dos outros. E assim há muito que fiz um pacto com os meus poemas: o de nunca nos mentirmos.

Que um poema tem a sua raiz numa experiência espiritual, que também já tenho designado epifânica. Esta experiência dá-se fora do tempo e espaço cotidianos, fora da realidade das aparências. A poesia literária, hoje dominante e preferida do sistema de criação do prestígio e notoriedade, pelo contrário, faz-se ao nível da descrição da realidade cotidiana. É como tirar uma fotografia e, depois, descrever o que lá está recorrendo a palavras menos comuns, trocar a sua ordem, intensificar as adjectivações, ou recorrendo a figuras mitológicas que, eventualmente, multiplicam as possíveis interpretações do texto e parecem dar-lhe profundidade. Pessoas cultas e com leitura abundante, no domínio da poesia com literatura, deixam-se levar por este truque, que é um disfarce da banalidade. A banalidade, é claro, conduz à banalização. E na banalização não pode haver profundidade. A banalidade é plana. Disse-me a Isabel Soares que certamente as pessoas não escrevem com consciência de truque. Mas agora e aqui acrescento, correndo o risco de que alguém possa achar-me petulante, que pessoas banais só podem fazer coisas banais. Porque para fazerem coisas elevadas teriam de se enganar, e as pessoas banais não se enganam.

De qualquer modo, profundidade é quando nos inclinamos para um plano sem fundo. Ora, a profundidade só pode ser dada pelas palavras que faltam. E o que falta na dita fotografia? Justamente o que lá não está. Sim, eu sei que parece uma redundância. Mas o que falta é o que os olhos não veem e os ouvidos não podem escutar. Falta o sentimento e faltam as pessoas e coisas que não aparecem na fotografia. Faltam as vozes, os movimentos que povoaram no mundo a sua presença. Por isso, sim, muito por isso digo que um poema é as palavras que não estão no poema. Por isso, sim, muito por isso digo que um poeta deve ser como um pobre à maneira de Rilke: os pobres são simples e despojados de aparências. Um poema é uma existência frugal. Um olhar pobre sobre o mundo. Um poema não precisa de adjectivos cosméticos, pois ele é iluminado por dentro e por toda a luz que os olhos não podem ver. Sou mais uma vez claro: a poesia com literatura é uma cosmética.

E sim, é verdade que digo que nos meus poemas não há metáforas, imagens ou outras ditas figuras de estilo. Algumas pessoas zangam-se comigo, outras julgam que é um truque para me fazer notar. Mas, pensem bem: notar por quem, se caminho para um inverno onde só estão os amigos? Por isso, pensei aproveitar estes minutos para explicar, talvez melhor, o que tenho vindo a dizer. E vou falar em metáforas, considerando vários aspectos, nelas englobando todas as chamadas figuras de estilo. E para ser o mais claro possível vou falar por pontos, que devem ser considerados, no entanto, todos simultaneamente:

 1.     As metáforas são conceitos descritivos, não tratam da realidade. As descrições não têm poder explicativo. A palavra pássaro não explica nenhum pássaro. Possibilita é que cada um de nós saiba a que tipo de coisa nos referimos. Com efeito, quando digo “é um pássaro” não estou a definir uma realidade, ela mesma. Estou, simplesmente, a acrescentar um elemento na grande ilusão do mundo humano. E quando digo “isto é uma metáfora” crio a ilusão de estar a identificar, ou até explicar, um elemento da realidade. A classificação é um olhar abstracto. Os poemas existiriam sempre sem o conceito metáfora. E se os pássaros são anjos, como podem ser explicados?

2.     A utilização das metáforas, como um fim em si mesmo, conduz às aparências, essa estranha convicção de que o que parece é. Gerações e gerações de solipsistas têm coleccionado metáforas, confundindo imaginação com tropeções entre palavras. Que isso que chamam de imaginação ainda está por ser entendido.

3.     Então uma metáfora não pode tratar da representação da realidade, como muita gente parece crer. Por isso, o acreditar que as metáforas definem a natureza e qualidade dos poemas, é não ter compreendido o essencial. Repito: um poema é feito com o que lá falta. Não com metáforas.

4.     Sejamos claros, desde há muito que a poesia da literatura se afundou no charco das redundâncias e da iniquidade. A falta de talento foi substituída pela proliferação de metáforas, e outros arranjinhos, como dizer que um poema é um cão a latir lá fora… A poesia com literatura é isto: uma repetida vulgaridade. Aquele sentido pejorativo que, frequentemente, se encontra quando alguém se refere aos poetas ou à poesia, está, pois, certo, pois é naquilo que se tornou a poesia da literatura. Uma completa vacuidade. Perdoem-me o que vou dizer, pois ao menos sou sincero e autêntico: como podem pessoas banais fazer coisas que não sejam banais?

5.     É que as chamadas metáforas são sobre alguma coisa, realmente. Mas não é por serem metáforas, é porque o mundo, a existência, o cosmos, a realidade, nos transcendem. E assim é toda a vida humana, a linguagem e o pensamento. As metáforas não representam a realidade: elas são a realidade das aparências. Mas os poemas são o que talvez há de mais próximo com a realidade. Essa para a qual há muito ficámos cegos. É que as coisas estão ao contrário: o mundo, como o definimos, o mundo humano, é que é de aparências feito. Afinal, o mundo é uma metáfora. A realidade é justamente aquela que não vemos. Verdadeiramente, a realidade social, cultural, cotidiana é que é metafórica. Os poemas, que são sobre o que falta, são o que mais próximo temos da realidade.

6.     Num comentário, no facebook, a Isabel Soares disse-me o seguinte: Contudo, sem precisares de recorrer à adjectivação, também tu transferes, por vezes, o nome de uma coisa para outra relacionando-as, comparando-as. O que chamas a isso? Metáfora. - dirão os entendidos. Sim, confesso. Mas é que essa espécie de analogia entre as coisas não é, realmente, uma analogia. Ela é real, no sentido em que é verdadeira. As coisas são uma só coisa. E há uma verdade que as atravessa e em todas permanece. As metáforas (e as analogias) pertencem ao mundo das aparências e, de algum modo, parecem esconder o grande sentimento que nos conduz a todos pela vida. Há uns tempos, numa volta de bicicleta cruzei-me com um pássaro morto na estrada. Esse encontro suscitou o seguinte poema, aliás mentalmente escrito durante a viagem:

 

encontrei um pássaro

partido no chão

 

mas não era o pássaro

era eu

 

então

peguei nas suas asas

e depois no coração

 

mas não era o dele

era o meu

  

Tudo o que é dito é verdade. É que “partido”, por exemplo, designa um sentimento. Esse sentimento é do universo, é cósmico, é da realidade ela mesma. A analogia, as metáforas e etc designam conceitos para dar congruência à realidade das aparências. Mas há uma realidade na noite que nenhuma mão alcança. Essa realidade para a qual desde há muito estamos cegos. Sim, desde há muito que estamos cegos e não sabemos. Sim, não é uma analogia: os sentimentos realmente partem-se. Por exemplo, eu tive um gato, e quando ele faleceu partiram-se-me as mãos, as palavras e os olhos.

 Há cerca de 30 anos o Prof. Manuel Frias Martins propôs o conceito de “matéria negra” para se referir à fonte onde os artistas, em geral, vão buscar a matéria para fundar as suas obras. A sua inspiração. Manuel Frias Martins criou a expressão em analogia com a “matéria negra” da astrofísica. Lembro que esta matéria negra ocupa parte significativa do universo, mas é indetectável. E a analogia é tão forte que poderemos perguntar-nos, hoje, se é uma analogia. Talvez, no fundo, não o seja. Talvez seja o infinito e então o infinito esteja aqui. Imaginem, simplesmente, que tempo e espaço são criações humanas, como é a astrofísica, e todas as ciências. Imaginem, simplesmente imaginem, sem se zangarem comigo, que tempo e espaço poderão ser outra coisa, que não espaço ou tempo. Imaginem, simplesmente, que todos os espaços e tempos estão aqui. Porque não há antes nem depois. Nos poemas chamo-lhe ausência, ausência sem fim. Mas o que é verdadeiramente importante, para mim, é a conclusão que tiro: a raiz dos poemas está aí, nessa abertura para o infinito. Quem quiser poderá chamar-lhe Deus. Não me importo nada. O que quer que seja é demasiado grande para cultivar a mesquinhez. E esse gesto, que é também uma inclinação, é a espiritualidade.

 Considerar um poema a partir das metáforas, e outras figuras de estilo, é considerá-lo a partir do lado de fora, da sua aparência. Mas um poema é uma existência espiritual. Os académicos e os críticos, em geral, lamento dizê-lo, mas estão muito longe de compreender o que é um poema. Será necessário um tempo, que já não será o nosso. Hão de passar gerações para que os homens aprendam alguma coisa sobre o seu lugar no cosmos. Só então, os famintos, poderão realmente compreender a natureza de um poema. O que é, realmente, um poema. Famintos? Perguntam. Mas o que são famintos? Famintos somos nós, “os das flores”, os que estamos aqui e muitos outros que há pelo mundo e que anseiam parecer-se com as estrelas.

Mas por agora vê-se muito mal no lado de fora. É por isso que voltarei, ainda, à pobreza de Rilke. Pobreza como despojamento, como simplicidade. Alguém que risca na tarde o seu nome e depois o entrega à água.

 E quase a terminar, desejo confessar-vos que quanto acabo de dizer não deve ser entendido como uma tentativa de fixar um sentido para os meus poemas. É que este texto, e todos os textos que tenho escrito sobre poemas, são meramente não-poemas. Isto é, devem ser entendidos como fazendo parte do mesmo imaginário. São variações em redor dos poemas. Não são ensaios. Não pretendem catequizar.

Ainda vos quero dizer que não vejo os poemas como tristeza, melancolia ou desespero. Os poemas são uma coisa feliz. Mesmo quando respeitam a desgraças, ainda assim são felizes, pois são sempre uma iluminação, uma criança descalça que olha o mundo. Não partilho aquele perfil dos poetas como pessoas ébrias, melancólicas, boémias e dadas a estados depressivos. Os poemas salvam, elevam, transformam, multiplicam. Os poemas têm o toque de Deus. O poeta é aquele que vezes sem conta se inclina no seu próprio nome. O poeta é um animal improvavelmente iluminado.

 

 

eu cresci numa árvore

 

de onde vi o mundo acontecer

como se fosse a minha vida

 

havia tardes em que tudo

ardia à minha volta

 

mas nunca na árvore

onde cresci

 

e assim aprendi dos pássaros

as estações e a brevidade

do voo

 

e o que outros

chamaram poesia

era o mundo visto

do cimo de uma árvore

 

porque foi uma coisa de magia

uma coisa de nunca tirar

do coração

 

o ter crescido numa árvore

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2021/12/15

RETALHOS da VIDA do SONHADOR-FAZEDOR João Vasconcelos (1975-2019)

 



Ontem, dia 14 Dezembro 2021, foi feita a apresentação do livro acima, na Biblioteca Afonso Lopes Vieira, em Leiria.
-
 A sessão foi muito concorrida e muito sentida por toda a assistência. O Dr Armenio Vasconcelos improvisou uma apresentação do livro e natural (e merecido elogio) de seu falecido filho João Vasconcelos, que reteve toda atenção e solidariedade dos presentes. Na mesa usaram da palavra, também: a Dra. Anabela Graça (vereadora e vice-Presidente) da Câmara Municipal de Leiria); Engª Catarina Vieira (filha do Engº Ribeiro Vieira (pode-se ler uma sua cativante e sentida mensagem no livro, a pág. 339); António DAlmeida Nunes (deixo registo do que disse, abaixo); e o escritor e grande amigo Luis Vieira da Mota .
(há fotos que deverão ser publicadas em primeira mão pelos jornais "Região de Leiria" e "Jornal de Leiria"). (há fotos que deverão ser publicadas em primeira mão pelos jornais "Região de Leiria" e "Jornal de Leiria").

Fotos da autoria de Fernando Rodrigues


Aspecto da assistência


Mesa da sessão
(Catarina Vieira, Anabela Graça, Arménio Vasconcelos, António Nunes)

Arménio Vasconcelos



Vereadora da CML - Anabela Graça

Catarina Vieira

António Nunes


Vieira da Mota





2021/11/04

se houver domingo à tarde: poemas de Carlos Lopes Pires - 2021 (este post em edição...)


Este livro foi apresentado na Igreja de S. Francisco - Leiria, no dia  18  de Setembro de 2021.
O autor deu-me a subida honra de mo dedicar. Claro, fico-lhe imensamente grato por tal deferência e pela sua amizade. Que é recíproca, de há uns bons anos a esta parte. Tudo começou nos Serões Literários das Cortes, há uns 10/15 anos (irei precisar depois de consultar os meus auxiliares de memória, por agora vou continuar com a edição deste verbete. Que já o devia ter feito, mas motivos vários não mo permitiram.).

Comecemos pelo poema da contracapa:
.

que estes poemas
caminhem por entre os homens

e não lhes toquem
nem digam

pois nenhuma verdade
é mais certa
e por nenhuma verdade
serão medidos

que encontrem
uma mão

onde trocar de rosa

-

Vídeo da sessão de apresentação produzido por a nunes:

-
No decurso da sua exposição no lançamento do seu livro, Carlos Lopes Pires disse, entre outras coisas, que constam do texto integral, aqui :


-


...  
(EM EDIÇÃO)






2020/09/13

No dia 12 de Setembro de 2020, no jardim da Casa-Museu João Soares - Cortes-Leiria, lançamento do livro de poesia "onde as maçãs crescem" de Carlos Lopes Pires

 


Registei a entrada deste livro de Carlos Lopes Pires no blogue da minha biblioteca e deixei lá mais algumas dicas:

****

Aqui vai ficar o registo que me for possível publicar relativo ao lançamento do livro de Carlos Lopes Pires, "onde as maçãs crescem":

Um fragmento de vídeo da parte final da sessão. (o dia estava quente, 33ºC às 18h30+-)

https://business.facebook.com/613447628761736/videos/658116104837973/

outro, da parte inicial da apresentação do próprio autor (que me possa desculpar da qualidade algo deficiente do vídeo. ...)

https://business.facebook.com/613447628761736/videos/748952695665548/

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Permito-me ir guardando apontamentos que vou apanhando aqui e ali:

O MUNDO ONDE AS MAÇÃS CRESCEM
Com uma obra literária já perto dos trinta títulos, Carlos Lopes Pires lançou no passado dia 12 de Setembro de 2020 um novo e volumoso livro de poesia, agora com o título “onde as maçãs crescem”. Produzido pela editora Hora de ler, de Leiria, o novo trabalho tem 202 páginas e foi apresentado no jardim da Casa-Museu João Soares, nas Cortes (Leiria), com intervenções do editor, do autor e dos dois amigos Luís Vieira da Mota, a quem o livro é dedicado, e António Nunes.
As contingências pandémicas não impediram que, com os devidos cuidados, a sessão contasse com a presença de um bom grupo de amigos que partilharam as considerações dos intervenientes e ainda três temas musicais com letra de Carlos Lopes Pires e música e voz de Pedro Jordão. A encerrar, algumas pessoas da plateia disseram vários poemas do livro, após o que autor deu os habituais autógrafos, num espaço dominado pelo grande painel de fundo onde se representa o “Cristo dos Pescadores”, trabalho de cerâmica de Hein Semke (escultor, ceramista e pintor nascido em 1899 em Hamburgo, na Alemanha, mas fixado em Portugal desde 1932, tendo falecido em Lisboa, em 1995).
É um livro bem burilado, de um homem amadurecido e desapegado de convenções. Da sua leitura sobressai a reflexão que o autor faz «sobre o significado das palavras e dos nomes, particularmente sobre a morte e o seu sentido, sobre a esperança, sobre o amor nas suas diversas vertentes…» Dois exemplos simples: «não temas a morte// há uma janela/ e uma rosa// um nome/ que se abre/ em ti». Ou: «morrer/ é apagar-se/ o teu nome// na janela».
Dentro do livro encontra-se outro – o das ilustrações de Fulvio Capurso, um excelente “discurso” através do desenho, com uma espantosa intensidade interpelativa.
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a que se seguem estas fotos, que fazem parte do mesmo "post":














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Uma foto de João Paulo Marques (amigo vintage de Carlos Lopes Pires, segundo ele próprio no seu FB). Eu a dizer umas coisas acerca do autor e da obra, como intróito para a apresentação formal de Luis Vieira da Mota


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(em edição)